quinta-feira, 29 de abril de 2010

.sentimentos sublimes.

Era uma suave noite de verão, uma brisa fresca entrava pela janela e delicadamente tocava os corpos dos dois deitados, entrelaçados, díficil saber onde começava um e terminava o outro, daquele jeito que só é possível ficar depois do sexo.

Ela sorria involuntariamente com os olhos fechados e suspirava fundo com a cabeça encostada no peito dele e a mão timidamente fazendo cafuné num dos cachinhos do seu cabelo bagunçado.

Olhando pro teto com pequenas estrelas fosforecentes coladas brilhando, aquelas de quarto de criança, ele imaginava qual seria a música ideal para a trilha sonora daquele momento se aquela fosse uma cena de filme da sua vida.
Tinha que ser algo espetacular, aquilo era definitivamente especial, ainda mais pelo quanto eles haviam esperado por aquele momento...

Era natural que tivessem vivido momentos de carinho com outras pessoas, tocado outros corpos com desejo voraz, escutado juras e feito promessas de amor eterno verdadeiras.
Sentido o gosto de outra pele e gozado com outro membro, que tenha sentado num parque à tarde e repousado a cabeça em outro colo e dividido o fone pra escutar sua canção preferida daquela banda que só ele escuta.
Que tenha cozinhado aquele macarrão com molho de tomate quando ele ficou com fome no meio da chuva que insistia em cair.
Que tenham aproveitado a casa no feriado com café da manhã na cama e sexo o dia inteiro.

Levantou-se, inspirou o ar vagarosamente e profundamente e tentou racionalizar: como é possível ter ciúmes do passado de alguém? Não faz qualquer sentido.

Ele deitou na cama, ela charmosamente virou de costas, ele se encaixou formando uma conchinha, e na sua cabeça pode ouvir perfeitamente o estrondoso aumento do volume da orquestra tocando a épica música da trilha da cena.
Ele deu um beijinho na nuca dela e escutou sua doce voz dizer baixinho, quase gemendo.


Eu te amo.


Fade out.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

.amor não se pede.

Se implorar resolvesse, não me importaria. De joelhos, no milho, em espinhos, agachada, com o cofrinho aparecendo.
Uma loucura qualquer, se ajudasse, eu faria com o maior prazer. Do ridículo ao medo:
pularia pelada de bungee jump.
Chorar, se desse resultado, eu acabaria com a seca de qualquer Estado, de qualquer
espírito.

Mas amor não se pede, imagine só.

Ei, seu tonto, será que você não pode me olhar com olhos de devoção porque eu estou
aqui quase esmagada com sua presença? Não, não dá pra dizer isso.
Ei, seu velho, será que você pode me abraçar como se estivéssemos caindo de
uma ponte porque eu estou aqui sem chão com sua presença? Não, você não pode dizer isso.
Ei, monstro do lixo, será que você pode me beijar como um beijo de final de filme porque eu estou aqui sem saliva, sem ar, sem vida com a sua presença? Definitivamente, não, melhor não.

Amor não se pede, é uma pena.

É uma pena correr com pulinhos enganados de felicidade e levar uma rasteira.
É uma pena ter o coração inchado de amar sozinha, olhos inchados de amar sozinha. Um
semblante altista de quem constrói sozinho sonhos.
Mas você não pode, não, eu sei que dá vontade, mas não dá pra ligar pro
desgraçado e dizer: ei, tô sofrendo aqui, vamos parar com essa estupidez de não me amar
e vir logo resolver meu problema?

Mas amor, minha querida, não se pede, dá raiva, eu sei.

Raiva dele ter tirado o gosto do mousse de chocolate que você amava tanto.
Raiva dele fazer você comer cinco mousses de chocolate seguidos pra ver se, em algum
momento, o gosto volta.
Raiva dele ter tirado as cores bonitas do mundo, a felicidade imensa em ver crianças sorrindo, a graça na bobeira de um cachorro querendo brincar.
Ele roubou sua leveza mas, por alguma razão, você está vazia.
Mas não dá, nem de brincadeira, pra você ligar pro cara e dizer: ei, a vida é curta pra sofrer, volta, volta, volta.

Porque amor, meu amor, não se pede, é triste, eu sei bem.

É triste ver o Sol e não vê-lo se irritar porque seus olhos são claros demais, são tristes as manhãs que prometem mais um dia sem ele, são tristes as noites que cumprem a promessa.
É triste respirar sem sentir aquele cheiro que invade e você não olha de lado, aquele cheiro
que acalma a busca. Aquele cheiro que dá vontade de transar pro resto da vida.
É triste amar tanto e tanto amor não ter proveito. Tanto amor querendo fazer alguém feliz.
Tanto amor querendo escrever uma história, mas só escrevendo este texto
amargurado.
É triste saber que falta alguma coisa e saber que não dá pra comprar, substituir, esquecer,
implorar.
É triste lembrar como eu ria com ele.
Mas amor, você sabe, amor não se pede. Amor se declara: sabe de uma coisa?
Ele sabe, ele sabe...

.ultimos versos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe".

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu o quis, e às vezes ele também me quis...

Em noites como esta eu o tive entre os meus braços.
O beijei tantas vezes debaixo o céu infinito.

Eea me quis, às vezes eu também o queria.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não o tenho. Sentir que o perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ele.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Que importa que o meu amor não pudesse guardá-lo.
A noite está estrelada e ele não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-lo perdido.

Como para aproximá-lo meu olhar a procura.
Meu coração o procura, e ele não está comigo.

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.

Já não o quero, é verdade, mas quanto o quis.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não o quero, é verdade, mas talvez o queira.
É tão curto o amor, e é tão longe o esquecimento.

Porque em noites como esta eu o tive entre os meus braços,
minha alma não se contenta com tê-lo perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

.o equilíbrio na agulha.

Eu já caí, de tanto olhar pro céu. O que me protegeu de espalhar minha cabeça pelo meio-fio da calçada foi o fato de eu sempre andar no meio da rua. Os carros que vêm na minha direção não passam de velozes e barulhentos fantasmas que meus inimigos vivem inventando para me testar. Eles conhecem meus medos melhor do que eu.

Eu já me perdi, de tanto olhar pros lados. O que me fez chegar onde estou foi a companhia desejada das pessoas que me são mais importantes, jamais permitindo que eu entalhasse na areia pegadas solitárias. Encontrei caminho e refúgio nas esquinas que a multidão esqueceu de ver, enquanto tentava trazer o horizonte pra mais perto. O tempo passa sozinho, e não há nada que possamos fazer para assumir seu controle.

Eu já petrifiquei minhas pernas, de tanto viver o passado. Minhas amarras foram soltas pelo súbito empurrão que você me deu. Me dóem os pés, dor essa que ignoro toda vez que minhas solas encontram novo chão. Os fantasmas, de repente, somem, e a estrada dos meus dias se desenrola em minha frente como um tapete vermelho. Basta que haja equilíbrio. E esse equilíbrio não se dá de olhos fechados, muito menos se olhando por onde anda.

Enxergo o auge da minha vida como o equilíbrio na agulha. Qualquer passo descuidado trará o chão para um brusco encontro com a minha face distraída. Não sei o meu próximo passo, mas vivo meus dias e noites em função de fazer com que os meus pés toquem sempre o caminho que eu construí.

A gente faz o nosso caminho, e é normal que ele seja estreito e sinuoso. Ninguém consegue andar em linha reta por muito tempo.

.satisfação.

Não sei por que insisto tanto em te querer, se você sempre faz de mim o que bem quer. Se ao teu lado sei tão pouco de você, é pelos outros que eu sei quem você é. Eu sei de tudo, com quem andas, aonde vais, mas eu disfarço o meu ciúme mesmo assim, pois aprendi que o meu silêncio vale mais.
Como um prêmio, eu recebo o teu abraço subornando o meu desejo tão antigo, e fecho os olhos para todos os teus passos...
Por quantas vezes, me da raiva te querer. Em concordar com tudo que você me faz. Já fiz de tudo pra tentar te esquecer, falta coragem pra dizer que 'nunca mais'. Nós somos cúmplices, nós dois somos culpados. No mesmo instante em que teu corpo toca o meu já não existe nem o certo nem o errado, só o amor que por encanto aconteceu.
E é só assim que eu perdôo os teus deslizes e é assim o nosso jeito de viver; Em outros braços tu resolves tuas crises, em outras bocas não consigo te esquecer.